Conheci Marialva no dia em que ela se acidentou. Estava um caco. Ela era passageira de um ônibus que tinha se desgovernado e causado um enorme acidente. Gente morreu. Entre os muito feridos, Marialva. Fui vê-la no hospital. Os joelhos estavam muito machucados. Fratura exposta. Dor em tudo. Um choro doído. Vai voltar a andar? Quanto tempo de hospital? Pode
Conheci Marialva no dia em que ela se acidentou. Estava um caco. Ela era passageira de um ônibus que tinha se desgovernado e causado um enorme acidente. Gente morreu. Entre os muito feridos, Marialva. Fui vê-la no hospital. Os joelhos estavam muito machucados. Fratura exposta. Dor em tudo. Um choro doído. Vai voltar a andar? Quanto tempo de hospital? Pode ficar com defeito? Não se sabia nada. E assim se passaram meses. Entra e sai de hospital, cirurgias, põe aqueles pinos que assustam. Cadeira de rodas, muleta e um ano depois Marialva pode andar de novo.
Um ano e meio depois o INSS manda Marialva voltar ao trabalho. Não dava. Era um tal de entra e sai de licença e no meio disso tudo errado com as pernas.
Uns seis meses depois disso, dois anos do acidente, entramos com o processo de indenização na justiça, pedindo pensão e dano moral. A empresa de transporte foi obrigada a pagar a Marialva
uma pensão provisória (liminar). Somada essa pensão ao que o INSS pagava por ela estar “encostada”, dava para ir tocando.
A perícia confirmou que ela nunca mais ia poder ser manicure e que sua perna ia doer para sempre e que alguns movimentos não seriam recuperados e que nunca mais ela poderia cuidar dos filhos pequenos e da casa.
O INSS, nada, mandou Marialva voltar para o trabalho, apesar dos atestados médicos em contrário.
Saiu a sentença da indenização. O juiz retirou a pensão de Marialva. Achou que ela podia “fazer outra coisa”. Fazer o quê, Meu Deus? Quem contrata alguém que se arrasta e sente dor o dia todo? O juiz mandou indenizou Marialva pelo dano moral em R$70.000,00 (setenta mil reais).
– Dá para receber já esse dinheiro, doutora?
– Não, Marialva, falta muito. Muito recurso ainda pela frente.
– E quando acabam esses recursos?
– Não tem como saber, Marialva. Podem ser anos.
– Mas doutora, até lá eu fico sem pensão e sem indenização?
– Fica, Marialva, nem sei como te dizer, mas fica.
A empresa transportadora não recorreu. Só a seguradora (que está falida aff!). O Tribunal reduziu a indenização por dano moral para R$15.000,00. E não devolveu a pensão.
– Sério, doutora, eu vou receber R$15.000,00?
– Não sei, Marialva, não sei. Tem recurso pela frente. Mas também é possível que sim.
Talvez até mais do que Marialva, eu é que não consigo parar de pensar: por que tão pouco de indenização para um dano tão grande?